sábado, dezembro 30, 2006

Saddam

Não há limites para a hipocrisia do homem. Desta vez com requintes de malvadez. Iraque continua em guerra civil. Continua a ser verdade que existe um "contexto" para a transição para a democracia e o Iraque está longe...

quinta-feira, dezembro 28, 2006

a mulher que fugia sempre

(estória ficcional dedicada)

Chamava-se Helena.

Apetece dizer que fugia não só do mundo, mas dela própria. Na primária quando a abordava surgia sempre algo que nos separava. Uma chamada dos pais para ela se preparar para sair mais cedo. Ou a professora que nos interrompe quando tinha ganho coragem para lhe dizer "gosto de ti". Uma outra vez um rapaz deu-me um pontapé nas pernas e fugiu - ela ficou a olhar para mim com ar indiferente e virou as costas. Havia algo de mágico naquelas 'despedidas'. Tenho impressão que o mesmo se passava com todas as outras crianças que dela se aproximavam. Ou, pelo menos, assim me convenci.

Um olhar vago, distante e inacessível. Parecia que nos olhava sempre de longe e de relance. Tudo a afastava das pessoas. Como se tivesse todo o acaso do Universo a seu favor. Seria possível? Habituei-me à ideia que sim; a probabilidade era minúscula, mas com tantos milhões de pessoas alguma teria de ter tal "circunstância" e a experiência sensorial mostrava que era a Helena.

Era claro que havia algo nela que a distinguia. Na quarta classe, perdeu-se-lhe o rasto. Dizia-se que algo de muito mau tinha acontecido e os pais haviam mudado de cidade... Indaguei nisto muito tempo. Questionei as velhinhas da paróquia mais próxima (que outro sítio para descobrir segredos enterrados?), mas sem sucesso - era novo demais.

Com efeito, ninguém mais a viu. Até um dia, vinte anos mais tarde...

Estava numa livraria no centro do Porto quando a avistei. Não queria acreditar: era ela! Só podia ser! As feições eram parecidas. O cabelo parecia diferente - estragado. Mas era ela. O olhar inconfundível. Estava de um lado para o outro, ora a olhar para o relógio, ora atenta à estante dos policiais. Novamente tive aquela impressão: ela estava a fugir de algo, mas de quê? Teria combinado encontrar-se com alguém e perdera a coragem? Seria uma paranóia de nascença da qual não se libertara mais? A curiosidade apoderou-se de mim.

Pegou num livro. Dirigiu-se ao balcão de pagamento e eu, discretamente, seguia todos os seus movimentos. Seria uma daquelas viciadas em policiais? A curiosidade rapidamente se dissipou - mal o livreiro desviou o seu olhar para ela, atirou o livro para balcão e fugiu em passo acelerado em direcção à rua.

Atrapalhado corri também em direcção à entrada. Onde iria ela? Estava perto da praça incomodada com os pombos - disse-lhes mesmo qualquer coisa que não consegui perceber. Dirigiu-se à estação de comboios. Colocou uma moeda na máquina e serviu-se de uma qualquer bebida quente.

De seguida deslocou-se à bilheteira. E que podia fazer eu, agora? Reconheci que a oportunidade era única e não se voltaria a repetir. Perdê-la-ia agora para sempre?

"Boa tarde. Quero um bilhete igual ao da senhora que acabou de sair daqui"

O funcionário achou piada ao meu atrevimento e, como um cúmplice num qualquer esquema kafkaniano, deu-me um bilhete para Braga sem dizer uma única palavra.

(continua)

you will never have me

O Estrada Perdida (David Lynch, 1997) é uma obra-prima do cinema norte-americano - o meu filme favorito. Trata da impossibilidade de se 'ter' alguém na plenitude. No final, após fazer amor com a mulher que ama no meio do deserto, a personagem principal ouve as seguintes palavras "youuu. willlll. never. have meee". Ao mesmo tempo ouvimos a música:
On the floating, shapeless oceans
I did all my best to smile
til your singing eyes and fingers
drew me loving into your eyes.

And you sang "Sail to me, sail to me; Let me enfold you."

Here I am, here I am waiting to hold you.
Did I dream you dreamed about me?
Were you here when I was full sail?

Now my foolish boat is leaning, broken love lost on your rocks. For you sang, "Touch me not, touch me not, come back tomorrow." Oh my heart, oh my heart shies from the sorrow.
I'm as puzzled as a newborn child.
I'm as riddled as the tide.
Should I stand amid the breakers?
Or shall I lie with death my bride?

Hear me sing: "Swim to me, swim to me, let me enfold you." "Here I am. Here I am, waiting to hold you."

segunda-feira, dezembro 25, 2006

where soul meets body

(Post dedicado)

De certa forma este encontro dá-se em todo o lugar. 'Soul' é aquela parte de nós supostamente desconhecida e a qual tem alimentado ao longo de milénios todo o tipo de fantasias. Tal como na música abaixo, também gostaria de viver nesse sítio; onde o romantismo não desaparece apenas por fazermos a identificação dos sentimentos ('souls' e outras transcendências) com o plano do real, do objecto, do material. O amor deixa de ser mais belo por isso? Não. Nem perde o mistério; o determinismo é de tal forma complexo que para todos os efeitos não está lá. Aliás esse 'saborzinho' a 'fatal' torna-o mais belo na minha opinião.
I want to live where soul meets body
And let the sun wrap its arms around me
And bathe my skin in water cool and cleansing
And feel, feel what its like to be new

Cause in my head there’s a greyhound station Where I send my thoughts to far off destinations So they may have a chance of finding a place where they’re far more suited than here

I cannot guess what we'll discover
We turn the dirt with our palms cupped like shovels
But I know our filthy hands can wash one another’s
And not one speck will remain

I do believe it’s true That there are roads left in both of our shoes If the silence takes you Then I hope it takes me too So brown eyes I hold you near Cause you’re the only song I want to hear A melody softly soaring through my atmosphere
Where soul meets body
[...]

-> soul meets body, Death Cab for Cutie

domingo, dezembro 24, 2006

24 Dezembro

O seu aborrecimento gelava os mais ébrios, e o seu silêncio pesava aos mais determinados. De repente, saindo do seu devaneio, disse resolutamente para si próprio:

- Em nome de Deus! Tenho que me divertir.

Com estas palavras o inferno todo estremeceu; e, com o barulho que fez, os guardiões dos domicílios celestes armaram as suas espingardas a pistão.
O Diabo, encantado com o efeito que produzira, estendeu a sua mão branca e magra como a de um jovem devasso. Com um sinal ordenou o silêncio; e, falando aos seus súbditos com aquela voz potente a que pode dar o som retumbante da trombeta e os surdos gemidos dos vulcões, com aquela voz que por vezes faz rebentar como trovões, e com frequência amansa até aos sons fugitivos da harpa eólica, disse com um sorriso:

- Meus Danados,
Daqui a um bocado, haverá alguns milhões de séculos que habito neste retiro, a crer no Senhor Cuvier, e há somente duzentos ou trezentos anos que tive a fantasia de possuir um teatro. No entanto, o aumento prodigioso da população dos meus estados, sobretudo desde a invenção da pólvora, a descoberta do Novo-Mundo, a imprensa, os jesuítas, a lotaria, o acetato de morfina, as casas de jogo e a cólera-morbus, fizeram-me adiar os meus projectos de divertimento. [...] posso hoje em dia, [...], ocupar-me dos meus prazeres e dos vossos. Quero portanto que me erijam uma sala de espetáculos, que me façam peças, e que representem comédias em minha casa...

-> A Comédia do Diabo, Balzac

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Acidental

O Porto é tão pequeno que encontramos as 'coisas', mesmo quando não as procuramos.

Época pré-natalícia

Tem uma coisa boa. Os amigos que estão fora voltam temporariamente.

E o resto? Bem, isso depende das famílias. Em boa parte delas, nesta altura, começam os preparativos para a hipocrisia da véspera de Natal (as falas mansas, os sorrisos forçados, as prendas, etc.). Noutras há o que se chama de harmonia - mas nestas há harmonia o resto do tempo todo - so who really cares? Os míudos que recebem as prendinhas, voilà!

Esta altura é deprimente para a maior parte das pessoas que conheço. Motivos: pais divorciados, família secante, família de malucos, etc. Há casos mesmo de pessoas que sentem tonturas nos corredores só de ouvir a música de Natal!

Será que algum dia o Natal vai acabar?

Ensino pré-universitário

Uma conversa que já aborrece.

Ausência

Andei umas semanas ausente da blogosfera. Como se costuma dizer? Problemas pessoais - porque tem que ver com pessoas. Neste regresso (definitivo?) gostaria de postar um poema que me dedicaram. Melhor que Valium só os amigos.
Num deserto sem água.
Numa noite sem lua.
Num país sem nome.
Ou numa terra nua.

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua

-> Ausência, S.M. Breyner Anderson